Memórias do Chile
Minha primeira aventura neste ano foi a recente viagem ao Chile, um país que eu já havia visitado há 40 anos. Desta vez voltei ao país para ministrar um curso de imersão no Centro CERES, vinculado a Universidade Católica de Valparaíso. Não poderia imaginar melhor início de ano: ministrar um curso para os adoráveis chilenos e ainda assessorado por minha querida amiga Bruna. Foi demais.
A primeira aventura:
Já na aduana confiscaram nossas sementes para que não contaminássemos o país. Com a tradicional gentileza chilena não nos prenderam, mas prenderam os produtos do contrabando e nos pouparam da pesada multa. Bruna, sempre positiva, não se abalou, me apoiou o tempo todo. Mas o processo ficou lá, com os nomes registrados até dos diretores do CERES arrolados no processo como cúmplices da contravenção.
É por isso que viajamos, prontos para novas aventuras. Se não, é melhor ficar em casa.
Nossa hospedagem foi o máximo. Na Granja Crisol, casa de Juan Carlos, meu chara e de sua esposa Marcela, chara do meu caçula. “Mera coincidência”. Era a única granja biodinâmica na região, um privilégio. A hospitalidade e a alimentação farta, exclusivamente orgânica biodinâmica.
A próxima aventura seria o espanhol. Aos 17 anos estudei um ano de espanhol em Valença (não confundir com Valencia, Espanha). Como só tenho memória recente fraca, a memória antiga funcionou para minha própria surpresa, “volvi los 17” (Violeta Parra). Só não entendia bem os chilenos quando falavam rápido, aí Bruna traduzia e me socorria quando necessário. Quando eu me enrolava, ela consultava o dicionário e me salvava.
O transcurso das aulas foi incrível, atenção total, participação, nenhum entra e sai, nenhuma desistência e rigor total nos horários, só poucas prorrogações quando Bruna permitia. Das aulas práticas nem se fala, a turma grande, eu de um lado, Bruna de outro, tudo fluiu beleza. Era visível o contentamento de todos ante as valiosas contribuições da biodinâmica. As 13h era o almoço ao ar livre, variado e todo orgânico biodinâmico, até engordei com os temperos chilenos.
Após as aulas tínhamos atividades extras obrigatórias, vinhos chilenos, cervejas artesanais, fora as iguarias típicas. Uma vez quase me afoguei na cerveja. Da outra vez exagerei. Como eu só bebo em boa companhia, misturei várias marcas e bebi demais. É culpa da companhia. A noite passei mal e passei vergonha, coitada da Bruna. Mas, na manhã seguinte já tinha esquecido tudo, graças a minha fraca memória recente.
No fim de semana livre passamos na casa do Eduardo, que nos brindou com banhos quentes de tina. Após os banhos, as vezes quentíssimos, eu tomava uma ducha gelada e deitava-me sob cobertores para reaccionar. Este é o melhor detox.
Para lambiscar, uma vez levei para o banho de tina dez sementes de damasco. A receita manda comer duas sementes ao dia, eu comi dez de uma vez e passei mal de novo. Pelo menos fiquei abastecido para cinco dias. Era como eu queria, uma aventura após outra.
Na festa de formatura apresentamos o Boris, de Mussorgsky, um sucesso. Começamos e terminamos a peça com duas carcajadas. Nunca ri tanto!
E para terminar a cerimônia de formatura com chave de ouro, a arte cênica de Bruna interpretando o eterno feminino no diálogo piano orquestra do 4º concerto de Beethoven. O público delirou. Eu não vi nada pois fazia o papel masculino, prostrado no chão. O final apoteótico foi a participação de todos em corrente, evoluindo dentro e fora do salão.
Como se não bastasse tanta emoção no penúltimo dia de lazer fomos a costa do Pacífico. A princípio até relutei em mergulhar temendo a corrente fria de Humboldt, que vem do polo sul e gela aquelas águas. O coração estava batendo e eu respirando sozinho. Banhei-me normalmente, levei alguns caixotes das fortes ondas e saí tranquilamente sentindo calor, o tal do aquecimento global chegou até lá.
E no último dia, coroando as nossas férias, Bruna nos presenteou com um show de danças típicas brasileiras, russas, flamencas e chilenas com castanholas e tudo. Realmente não posso reclamar de nada. Se o ano continuar assim eu que me cuide para sobreviver a tantos impactos emocionais. Aos despedir-nos pediram que voltássemos logo para aprofundar os temas do curso e não esperar mais 40 anos para retornar. Por Jaci e Guaraci, hei de atender aos pedidos de retornar logo.
Fotografias de Camila Gratacós
Que lindo e divertido texto. Minha primeira experiência de vida biodinâmica foi em esta chacrá hoje chamada Crisol, antes se chamava La Vervena, mi lar de por vida. Donde tambien he levado mi primer curso de biodinamica con los grandes maestros chilenos. Soy de Brasil, vivo en Peru, hacemos biodinâmica e me alegra mucho ver estas conecciones. Hermoso.
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