A TRANSPOSIÇÂO

 

              Um dos mais graves crimes ambientais cometidos contra um rio recebe o nome de  ¨Transposição do Rio São Francisco."  Traduzido para a linguagem popular significa "Despir um santo para vestir o outro." No final os dois ficam  despidos.

              Já no século XIX o Império planejava transpor o Rio São Francisco do sudeste para o nordeste a fim de resolver definitivamente o eterno flagelo da seca naquela região. A falta de recursos e determinação impediu a realização do projeto.

              O tempo passou e só agora, no século XXI, as autoridades decidiram, " corajosamente", elaborar um projeto de 9(nove) bilhões de dólares  para, finalmente, irrigar o nordeste e promover o progresso.

              O Rio São Francisco tem uma extensão de 2.700 km, sua Bacia Hidrográfica abrange 504 municípios, é abastecido por sua fonte na Serra da Canastra em Minas Gerais e  por mais 168 rios afluentes, atravessa os Estados de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco e desemboca no Oceano Atlântico,  na fronteira entre  Alagoas e  Sergipe, junto aos Municípios de Brejo Grande e Piaçabuçu.

              No século XIX imaginava-se o Rio cercado de extensas áreas florestadas e protegido

              por matas ciliares, tal como a Natureza o formou.  

              Dois séculos depois a realidade é outra. 

              O progressivo desmatamento gerou alterações climáticas atrozes. A falta de chuva e o aumento da temperatura fustigam o Rio continuamente e sua vazão vai-se reduzindo gradativamente, mal conseguindo abastecer as comunidades que habitam as suas margens.

              Em três décadas a vazão caiu 60%, de 1500 m3 para 550 m3 por segundo.

              De 2012 a 2020 as autoridades registraram uma perda de 15% da cobertura vegetal. As altas temperaturas são responsáveis pela evaporação e pelo maior consumo pelas árvores remanescentes.

              A agricultura familiar e industrial praticada em suas margens perde produtividade.

              As autoridades, assessoradas por especialistas, sabem que a floresta é um termostato natural, equilibrando os extremos de temperatura diurna e noturna. 

              O solo, protegido pelo manto florestal e enegrecido pelo húmus, atrai, retém e disponibiliza umidade e nutrientes. O preto atrai e retém, o branco recebe e reflete. Eis a diferença entre a fertilidade da Terra Preta (Tchernoziom) e a semi-aridez do semi-árido.  É a mesma diferença entre a Floresta Negra e o Sahara Branco.

               A savanização e a desertificação tendem a expandir-se continuamente. O semi-árido nordestino tende a desertificar-se e a Bacia  do São Francisco tende a savanizar-se.

              É preciso ser Mestre, Doutor, Pós-Doutor e phD para fazer projeções gráficas computadorizadas por Inteligência Artificial, para o curto e o médio prazos, o futuro que nos aguarda.

              Os dados estão disponíveis. De 1990 a 2020 ocorreram 5(cinco) secas-relâmpagos na Bacia do São Francisco. A redução da cobertura vegetal afeta a formação de nuvens. As poucas que se  formam não se precipitam. Faltam superfícies negras para sustentar a pluviosidade. 

              É tudo muito elementar, caro Watson. Só que não cura a psicopatia megalomaníaca de certos indivíduos que jogam pela janela 9 (nove)bilhões de dólares para transpor um rio de um lugar para o outro. 

              Muito mais simples é compostar os resíduos orgânicos,  necessariamente gerados em cada  município,  montar viveiros de mudas arbóreas, florestar as áreas  atingidas via mutirões escolares,  reflorestar as áreas degradadas e restabelecer o regime hídrico e pluviométrico, de uma vez por todas, sem a necessidade  de captar 9 bilhões no mercado financeiro, e ainda ter que desviar 10% para o caixa dois.

              Repetimos as sábias palavras de José Lutzenberger: "As soluções ecológicas são simples e democráticas", ao alcance de qualquer cidadão bem intencionado.

              

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