O DISCURSO


Uma tônica no repetitivo discurso putinista é a recorrente alegação de que o Ocidente é o eterno culpado de todo o mal que acontece à Rússia. É o Ocidente o inimigo permanente que precisa ser derrotado.
Como bom filho da antiga União Soviética Putin assimilou bem a ideologia anti-ocidente, desde os tempos de escola primária, passando pela secundária, continuou no nível superior e completou seu aprendizado antidemocrático nos labirintos do KGB, o Serviço Secreto Soviético, o temido Комитет Государственной Бесопасности.
Aprendeu a hostilizar o mundo livre, democrático, próspero , que se contrapunha ao precário Estado comunista, onde a população era sacrificada a fim de garantir os pesados investimentos na indústria bélica. Essa era a ideologia dita socialista: extrair o máximo do povo a fim de exibir a pompa nas paradas militares, todo ano, sobretudo no dia 9 de maio, na Praça Vermelha.
E tudo isso sob o argumento de que era preciso proteger-se contra a  ameaça ocidental.
A ostentação mostrada nas paradas era o artifício usado para iludir e apresentar-se ao público como a grande, se não a maior potência militar de todos os tempos.
E muitos acreditavam no engodo, e alguns ainda acreditam, agora cada vez menos, ante os sucessivos fracassos registrados pela Operação Especial.
Mas a questão básica que se coloca é: Por que todo esse ódio pelo mundo ocidental, cultivado pela elite russa há mais de 100 anos. Não pela população, mas sim pela classe dominante.
Essa casta autoritária é de tal modo fanatizada que não consegue perceber as mais gritantes evidências.
A História revela a verdade.
A Rússia czarista vivia fechada, isolada, estacionada em seu regime medieval.
Até que finalmente surge um determinado czar que traz um impulso novo à paralisante monarquía.
Esse foi o Czar Pedro o Grande.
Merecidamente cognominado "o Grande".
Mencionemos aqui, resumidamente, alguns dados de sua extraordinária biografia.
Nasceu em Moscou em 1672.
Era o segundo na linha sucessória ao trono, ao lado de seu irmão Ivan, este psiquiatricamente incapaz.
Os dois, ainda adolescentes, foram simultaneamente coroados, e a mãe,Sofia, reinou interinamente, meio nos bastidores.
O irmão veio a falecer pouco depois, e Pedro, por suas notáveis habilidades, firmou-se como o legítimo imperador, o Czar Pedro I o Grande.
E logo decidiu romper com as arcaicas estruturas medievais ainda dominantes.
Optou pela modernização e ocidentalizacao.
Foi o primeiro Czar a viajar para além das fronteiras russas. Deixou três representantes na administração do Império, e pioneiramente, empreendeu uma viagem de um ano pela Europa Ocidental. Saiu de sua zona de conforto e entrou em contato direto com o que havia de mais avançado, nos mais diferentes campos das artes, da ciência, da tecnologia, da construção naval, da arquitetura, e sobretudo da filosofia, quer dizer do pensar aberto, ventilado e lúcido.
Um ano depois voltou à Rússia, e logo tratou de pôr em prática as novas idéias. Atraiu para a Rússia grandes cabeças, nas mais diversas especialidades.
Insatisfeito com Moscou, sua cidade natal, decidiu construir uma nova capital, nos moldes europeus, nesse caso a cidade holandesa de Amsterdam.
Construiu seu palácio e seus jardins, inspirados em Versalhes.
O território escolhido para a Novacap fora pouco antes conquistado pelos russos na chamada Guerra do Norte contra os suecos.
O terreno era pantanoso, sujeito a inundações, totalmente impróprio para construções, sobretudo para uma obra daquela magnitude.
Mas a localização era privilegiada. Na foz do Rio Neva, junto ao Mar Báltico, na entrada do Golfo da Finlândia, aberta aos ares do Ocidente.
Milhares de trabalhadores, e também alguns nobres, foram forçadamente transferidos para lá para executarem o ambicioso projeto.
A cidade foi fundada em 1703, com o nome de Sankt Peterburg.
Esse nome revela algumas curiosidades. Em português, o nome da cidade, São Petersburgo, contém um "s" eufônico, uma característica germânica. O nome original, Санкт Петербург, sem o "s", contém a palavra "Burg", de origem germânica, e o título Sankt, derivado do latim "sanctus". O nome da cidade continha portanto três elementos, sendo dois latinos, Sanctus e Petrus, e um germânico, Burg. Nenhum componente eslavo.
Esse nome permaneceu vigente de 1703 até 1914.
Em 1914 os revolucionários ateistas, alteraram o nome para Petrograd. Aboliram o Sankt, de conotação religiosa, e substituíram o Burg, alemão, pela palavra eslava "grad", uma corruptela de "gorod", a cidade.
O novo nome, Petrograd, durou pouco, só 10 anos. Pois embora bastante eslavizada, ainda continha o Petro, uma reminiscência do Czar, o fundador da cidade, e derivado de Petrus, o apóstolo e primeiro Bispo de Roma.
Em 1924, após a morte de Lenin, o líder revolucionário, a cidade foi rebatizada para Leningrad, esquecendo-se os rebatizadores nacionalistas que lenh ( em cirílico лень) é uma palavra eslava que significa "preguiça".
O rebatismo marcou o momento em que a recém- fundada União Soviética retrocedeu ao passado Czarista anterior a 1700, fechando -se atrás da Cortina de Ferro, conforme Churchil.
Os novos revolucionários trancaram -se contra qualquer influência "nefasta" do lado ocidental, com uma exceção: o marxismo. Essa ideologia marxista, ocidental, nascida na Alemanha e na Inglaterra, esta sim, foi adotada, com ênfase na luta de classes, a revolução mundial e a ditadura do proletariado.
Em 1991 a cidade voltou a chamar-se Sankt Peterburg, com uma promessa de abertura para o mundo, simbolizada na Estátua de Bronze, erguida no centro da cidade, representando o Czar Pedro o Grande, montado em seu cavalo, empinando -se para a frente.
Por ironia da História, nesta mesma cidade, em 1952, nasceu o Putin, o qual, na virada do século, há 22 anos atrás, subiu ao poder, com a firme proposta de reconstituir o Império Soviético e o antigo Império Russo Czarista.
Putin continua delirando, tentando equiparar-se ao Czar Pedro, e fazendo exatamente o contrário: ingratamente rompendo os laços com o Ocidente e buscando alianças com o Oriente, avassalando-se à China, a qual, mais cedo ou mais tarde, reivindicará os territórios anexados na Sibéria e o território das Repúblicas Asiáticas, artificialmente russificadas pelo Império.
Aguardemos a evolução dos fatos.

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