O tema “emancipação” é o primeiro abordado por Rudolf Steiner

Emancipação

O tema “emancipação” é o primeiro abordado por Rudolf Steiner no ciclo de oito conferências conhecido como “Curso Agrícola”, no qual foram lançados os fundamentos da agricultura biológico-dinâmica.
Ele aí expõe como os reinos da natureza se emancipam de influências externas à medida  em que se elevam na escala evolutiva  até chegar ao homem. Por exemplo, o vegetal é mais dependente das condições exteriores, ao passo que o animal e o homem dependem menos. Também o ciclo lunar de 28 dias corresponde ao ciclo menstrual feminino, mas não coincide necessariamente com o seu começo e fim, o que denota maior independência, ou seja, uma evolução para crescente autonomia.
Também no reino vegetal observa-se uma crescente emancipação em sua trajetória evolutiva, partindo da água para a terra.
Um exemplo é a alga. Ela vive mergulhada na água; absorve os nutrientes pela folha e não possui raízes. Com a irrupção de rochas antes submersas oferece-se à alga uma superfície externa, fora d’água, pronta para ser ocupada, um desafio a ser enfrentado.
Ao abandonar a água parta iniciar a conquista da terra, a alga alia-se ao fungo; surge o líquen, adaptado a viver fora d’água, mas ainda não dotado de raízes.
Ao líquen segue-se o musgo, capaz de viver fora d’água, mas ainda dependente de locais sombreados e úmidos. Contudo já possui rizóides, os primeiros indícios de organelas semelhantes a raízes e que já começam a liberar ácidos e atacar a rocha, solubilizando-a e iniciando uma lenta formação de solo. Um exemplo de como a planta forma seu próprio solo.
A evolução continua e surgem então as samambaias, as cavalinhas e mais tarde espécies arbustivas e arbóreas, com um amplo sistema radicular capaz de formar e explorar um grande volume de terra. A raiz desenvolve mais e mais a capacidade de extrair nutrientes da solução do solo. A planta emancipa-se cada vez mais da água; evolui e ganha independência.
O mesmo acontece no reino animal, por exemplo, entre os vertebrados.
O peixe vive na água e sua respiração é branquial, isto é, só consegue respirar o oxigênio dissolvido na água. O peixe revela total dependência do meio líquido. Ao aventurar-se em terra firme, dá origem aos anfíbios, os quais começam a desenvolver a respiração pulmonar, porém ainda se reproduzem na água. E ali depositam seus ovos que, ao eclodirem lançam nela os girinos, dotados de respiração branquial, e que mais tarde abandonam a água para viver como anfíbios.
Os répteis, por sua vez, revelam-se mais independentes; ovopositam no seco e o calor do Sol chocam seus ovos.
As aves, na seqüência, chocam seus ovos com seu próprio calor, no ninho, situado fora do seu corpo. Para chocar seus ovos a ave emancipa-se  do calor solar, externo, ela os choca com seu próprio calor interno, o que revela um segundo aspecto  aliado à emancipação: a interiorização.
O réptil tem o sangue frio.
A ave interioriza o calor, mas seu ninho é ainda externo ao corpo.
Ao observarmos os mamíferos fazemos novas descobertas. Aqui o óvulo é fecundado na trompa e o ovo “aninha-se” no útero. A fêmea choca o ovo no útero materno. Ela interioriza ambos, calor e ninho, e ganha mais autonomia. Emancipação e interiorização caminham lado a lado.
Para citar mais um exemplo, contemplemos o processo digestivo. Microorganismos unicelulares digerem o alimento fora do corpo, fora da célula. Esta libera suas enzimas para o exterior, digere o e absorve o alimento digerido de fora. Meso e macroorganismos superiores internalizam a digestão; liberam suco gástrico e enzimas digestivas; digerem o alimento no estômago, no gastro, numa cavidade interna.
Da mesma forma a interiorização se manifesta na estrutura sólida dos organismos, pequenos e grandes.
Insetos apresentam um revestimento consistente, uma carapaça de quitina funcionando como um esqueleto externo, o chamado “exoesqueleto”. Moluscos desenvolvem uma concha calcária, um exoesqueleto rico em carbonato de cálcio (CaCO3).Os vertebrados, por seu turno, interiorizam uma estrutura óssea, um endoesqueleto contendo cálcio, mas também fósforo, ”phosphoros”(em grego “portador de luz”), em forma de fosfato  de cálcio,ou melhor bifosfato tricálcico, Ca3(PO4)2, o qual constitui cerca de 55% do osso. O vertebrado interioriza o arcabouço sólido, o cálcio e fósforo, a estrutura e a luz.
E por fim, coroando a classe dos mamíferos, encontramos o ser humano. Este revela todas as conquistas anteriores, e algo mais. Enquanto o peixe é carregado pela água, o anfíbio o é bem menos. O réptil (ex. o lagarto) arrasta-se no seco, conseguindo elevar-se um pouco acima do chão sobre seus membros quase horizontais. A ave, com suas pernas escamosas herdadas do réptil, eleva-se bem mais; algumas são até pernaltas. Os animais mamíferos caminham sobre quatro patas, mantendo a coluna horizontal. O homem, na fase embrionária, vive mergulhado no líquido amniótico, apresentando inicialmente “fendas branquiais“, porém não mais com funções respiratórias. Ao nascer rompe-se o âmnion, a bolsa d’água, O neném nasce, chora e inicia a respiração pulmonar, capaz de extrair o oxigênio da atmosfera, mas que só permite trocas gasosas nos alvéolos através de uma superfície respiratória úmida. Uma reminiscência do nosso passado aquático.
O bebê mantém-se deitado por alguns meses, até que pouco a pouco começa a virar-se, a rastejar e a engatinhar sobre os quatro membros. Por fim aprende a andar.
E assim finalmente o homem conquista o andar ereto, sobre os dois membros inferiores, a coluna na vertical, os dois membros superiores livres para atuar no mundo. E a cabeça erguida.
A verticalização, a força de soerguimento, é a terceira conquista do homem, do eu humano, em seu longo percurso a caminho da liberdade.

João Carlos Avila
Tel.:55 (19) 8307-2233

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