O Estado laico

 


Quando o fariseu perguntou se seria justo pagar imposto a César, a resposta veio imediata: "Daí a César o que é de César e a Deus o que é de Deus."

Naquele momento o Cristianismo lançava luz sobre a complexa questão relativa à interação Estado-Igreja.

Poder temporal e poder espiritual são duas esferas que jamais se tocam, conforme os padrões da modernidade.

Qualquer tentativa atual de o setor político invadir a seara religiosa, necessariamente resultará em graves aberrações, anacrônicas, extemporâneas. Equivale a querer reavivar a ancestralidade.

Por isso foi a pergunta do fariseu muito válida, colocada naquele momento, naquele lugar, no berço do cristianismo,   quando a Humanidade começava a superar o passado e a abrir-se para o presente e para o futuro.

O fariseu estava ainda condicionado a pensar segundo os padrões antigos,

quando religião e governo estavam visceralmente unidos.

Já nas mais antigas dinastias os imperadores eram venerados como divindades e exerciam funções de dirigente e sacerdote.

A consciência do eu grupal primitivo não tinha como questionar.

Só muito mais tarde, entre os anos 30 e 33 da nossa era, podia o fariseu levantar a questão e perceber que religião e política não se confundem.

Hoje, 2000 anos depois, vários países do mundo começam a optar pelo Estado laico, e consagram esse princípio em suas respectivas Constituições, inclusive o nosso país, o Brasil, alinha-se à modernidade e proclama o Estado Laico na Constituição Cidadã de 1988.

Porém a sabedoria popular declara: "Papel aceita tudo."

Apesar do preceito constitucional vigente e do seu guardião, o STF, persiste ainda o ranço teocrático, não só entre nós, mas também em muitos outros lugares.

Misturar deus com a política significa ser retrógrado e camuflar-se sob uma roupagem modernosa.

A teocracia continua vigorando sob o signo do culto à personalidade.

Era normal ser assim em épocas culturais passadas.

Modernamente essa ancestralidade precisa ser corrigida, não somente no papel, mas também na realidade cotidiana.

Embora o fariseu já estivesse maduro para fazer a pergunta, na prática ele continuou arcaico e não aderiu ao Novo.

Em épocas culturais passadas era normal a fusão de política com religião. Era assim no Império grego e continuou assim sob os césares do Império Romano e das igrejas que se fundaram. Atravessou toda a Idade Média e Idade Moderna, e manteve-se na Reforma renascentista.

" Cujus regio ejus religio."

"Para cada reino sua própria religião."

Era assim no sec. XVl. Cada súdito era obrigado a adotar a religião adotada pelo seu príncipe. Sem escolha.

Estava aí lançada a semente da discórdia, das futuras guerras religiosas, a de Sete Anos, a de Trinta e a Guerra dos Cem Anos. A meta do Reformismo é o sucesso material, o acúmulo de riqueza fundado na austeridade.

Max Weber captou bem esse detalhe e o expôs em sua obra clássica: "A ética protestante e o espírito do capitalismo." Subentende-se o capitalismo no sentido amplo, o empresarial e o capitalismo estatal. 

Nos dois regimes percebe-se a influência da religião, ora teísta, ora ateísta. Às vezes velada, às vezes declarada.

O regime Czarista manteve-se por séculos declaradamente clerical. 

Seu sucessor, o regime soviético, adotou o ateísmo como religião oficial do Estado, por 70 anos.

O atual regime  putiniano, embora pretenda reconstituir o império soviético-stalinista, ateu, tem o seu maior aliado na pessoa do Patriarca de Moscou.

A guerra árabe- israelense já dura 75 anos. Daqui a 25 anos superará a dos 100 anos . As duas teocracias , judaico-islâmica, terão travado a mais longa guerra da História Universal, em escalada crescente na Faixa de Gaza.

Tudo isso pelo simples fato de se misturar o que é de Cesar com o que de Deus.

Na medida em que as duas teocracias, a custa de muita dor, forem aprendendo a discernir, aí sentar-se-ão numa mesa e negociarão a paz.

Os dois lados sairão vitoriosos.

A grande derrotada será a indústria bélica.

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