ADMINISTRAÇÂO

 ADMINISTRAÇÂO

   Em 1982, aceitei a proposta de administrar uma fazenda de 200 ha, especializada em gado leiteiro, em Americana, SP.

   A dona era uma senhora alemã, viúva, de 80 anos, mas a fazenda estava a cargo do filho, um mega empresário com negócios em vários lugares do Brasil.

   A fazenda, embora bem equipada, era deficitária. A proposta era , primeiramente, equilibrar a contabilidade, por meio de uma administração profissional e um manejo biodinâmico.Aceitei o desafio.

   Era o meu perfil. Como ex-professor de alemão, podia me comunicar com os proprietários. Era graduado na Fundação Getúlio Vargas, semigraduado na Alemanha e pos-graduado em Biodinâmica no Instituto ELO, Botucatu, SP.

   Quando assumi a fazenda, a produção média ra de 5 l/vaca/dia.

   Minha primeira providência foi abolir o porrete que ficava disponível na entrada da sala de ordenha. Era para tocar as vacas para dentro da sala de ordenha por meio de porretadas.

   Observei todo o processo. 

   A vaca, estressada, liberava adrenalina, prendia o leite e a teteira mecânica forçava a sucção a vácuo, traumatizando a teta e provocando mastite. Várias vacas estavam afetadas. Umas com uma teta, outras com duas e até com três tetas inutilizadas por mastite.

   As vacas leiteiras afetadas, de alto valor zootécnico, tiveram que ser vendidas para corte, pela metade do preço.

   Desde aquele dia, qualquer vaca que apresentasse o sintoma no teste do caneco preto, era logo isolada, tratada, em três dias retornava à ordenha. Mais nenhuma vaca foi perdida por mastite.

   Compramos um lote novo, sendo todas as vacas antecipadamente testadas por toque retal.

   O motor da ordenha mecânica era lubrificado com óleo para motores a explosão. Chamei o vendedor credenciado pela Westphalia e comprei o óleo específico para aquele equipamento.

   Uma mudança no manejo não foi possível introduzir.

   Cada bezerro recém-nascido era imediatamente separado da mãe, "para não acostumar mal." Os dois não se conheciam. O bezerro não mamava na vaca-mãe, nem a vaca-mãe amamentava o bezerro-filho. O bezerro bebia no balde o leite coletivo do rebanho, sem colostro.

   Por mais que eu insistisse eu não consegui convencer o patrão-empresário a substituir o manejo convencional deficitário pelo manejo biodinâmico mais rentável: propiciar a convivência mãe-filho para garantir a saúde física, etérica e astral de ambos. Nesse sentido meu esforço foi vão.

   O patrão em parte não estava maduro para aceitar plenamente o profissionalismo. Sendo ele um especialista em outras áreas, contudo, quanto à fazenda, centralizava em si todas as mínimas decisões.

   A fazenda tinha  6(seis) tratores e várias máquinas agrícolas alojadas no parque de máquinas.

   Apontei para um trator e perguntei ao mecânico, responsável pela manutenção:

   -- Quando você trocou o óleo deste trator?

   -- Seu João, trabalho aqui há um ano e até hoje nunca troquei.

   -- Então troque agora , por favor e anote os dados  do horímetro.

   -- Está bem, seu João.

   --E quando você engraxa os pinos?

   -- De vez em quando.

   -- Pois a partir de hoje voce vai engraxar os pinos todos os dias à tarde, quando o trator retorna do campo, com as ferragens quentes. E a que hora você abastece os tratores com óleo Diesel.?

   --Todos os dias de manhã.

   --A partir de hoje você enche os tanques à tarde. Não deixe nenhum espaço vazio para não formar  um 

líquido que danifica o metal.

   -- Perfeitamente seu João.

   --Quantas máquinas estão paralisadas?

   --Várias, por falta de manutenção. Eu não dou conta.

   -- Vou procurar cada concessionária e trazer os respectivos planos de manutenção. Vou pedir a minha esposa para organizar as fichas de cartolina e afixar no parque das máquinas. Cada intervenção será anotada na devida coluna: data, serviço executado e sua  assinatura.

   No mês seguinte o patrão-empresário foi visitar a fazenda e reconheceu:

   -- Das ist fundamental wichtig.

   --Ja, ja, respondi.

   Os funcionários ganhavam pouco e pediam aumento. Só eu ganhava bem: 100 mil, em1982.

   O patrão não falava com ninguém. Só eu era o porta-voz. Transmiti a ele a reivindicação dos empregados. Ele me autorizou a elaborar uma nova folha de pagamentos com os novos salários, a meu critério. 

   Foi o que eu fiz. O pior funcionário, o Ezio, era o que ganhava menos. E reclamava muito.

   Quando eu precisava dele, às 16:15 , para alguma tarefinha urgente, ele argumentava: 

   --Ah,seu João, faltam 15 minutos, nem adianta começar. Não vai dar tempo. Deixa prá amanhã.

   Eu procurava outro

   De todos os funcionários,  Ezio foi o menos aquinhoado nos reajustes.

   Eu próprio me exclui da lista de aumentos. Deixei por conta do patrão.

   No mês seguinte chegou o novo malote, com os novos salários, direitinho.

   Até eu recebi 30% de aumento. fui para 130 mil/mês, em 1982. Exultei. E eu ainda tinha casa grande, mobiliada, telefone, esgoto e água encanada. E ainda recebia diariamente 2 l de leite bio-orgânico, descontado em folha.

   Verduras e legumes eu colhia livremente na horta. A produção aumentou e vendia o excedente na bioloja da cidade.

   E fui,  pouco a pouco, corrigindo as precariedades da fazenda. 

O patrão era muito econômico e centralizador. Qualquer despesinha extra tinha que passar por ele primeiro. Não me dava nenhuma autonomia. Economizava o quanto podia. Em prejuizo dele próprio. Fazer o que? Muitas vezes eu tinha que burlar a vigilância para introduzir certas mudanças, para depois enfrentar as resistências, se houvesse.

   O telefone frequentemente não funcionava. Eram falhas na linha de dois km até o asfalto. 

   A ordem era encarregar o Aderiosvaldo, um funcionário que entendia de eletricista-instalador. Os defeitos sempre voltavam.

   Silenciosamente fui à cidade, contratei um profissional caro, ele foi lá, correu a linha toda, reparou todas as falhas e me passou a conta. 

   Imediatamente liguei o telefone e comuniquei ao dono.

   Ele se surpreendeu:

--De onde você está falando?

   --Da fazenda. Consertei a linha telefônica. Próximo mês eu mando a conta.

   Seu Pedro o meu vice, o sub-gerente, antigo funcionário da fazenda, ficou subordinado a mim. Fazia tudo para prejudicar os trabalhos, para eu desanimar, ir embora e deixar ele como gerente, como antes. Tive sérios confitos com ele. 

Só que ele não tinha caixa d'água na casa. Frequentemente faltava água, quando ele mais precisava. E se queixava prá mim.  O dono nunca autorizava comprar uma caixa d'água. E seu Pedro continuava reclamando e insistindo em prejudicar o andamento dos trabalhos. Estava ficando insuportável.

   Foi aí que eu encontrei a solução: peguei a Veraneio, fui à cidade, comprei uma caixa de 1000 litros,  mais o material acessório, mandei instalar e mandei a conta para o escritório em São Paulo.

   Seu Pedro se transformou da cachaça pro vinho.

   A fazenda era infestada de pernilongo. Atacava das 17 h até as 4 da manhã. Cronometrado. 

   Eu encontrei a solução: fui às Casas Pernambucanas e comprei, do meu salário, um véu de proteção para o quarto de dormir. Como faziam os reis antigamente. Nossa cama , no quarto, era protegida. 

   De manhã, às 7 h, no início dos trabalhos, a grita era geral. Todos reclamavam:

   --Seu João, não consegui dormir nada.

   Só eu dormia bem.

   Para não ter que enfrentar a fúria do patrão, voltei às Casas Pernambucanas, e do meu salário, comprei véu prá todo mundo na fazenda, com o compromisso de eles me reembolsarem em suaves prestações mensais. 

   A alegria foi geral. E me relatavam como eles zombavam dos pernilongos, pois não conseguiam ultrapassar a barreira velada. 

   E a produção média pulou de 5 para 8,9 l/vaca /dia. E o custo veterinário quase zerou. Até o dono gostou. E muita coisa mudou na empresa agrícola.

   Naquela fazenda eu pude comprovar ,experimentalmente, em muitos "cases", a lição que eu havia aprendido na Fundação Getúlio Vargas:

   "Administração profissional tem um custo alto e um retorno multiplicado várias vezes."



 





   

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