A BOMBA

Em 1969 eu fui contratado para dar aulas diárias de alemão, por um período de 30 dias, para um diplomata, Paulo Nogueira Batista. O curso-relâmpago visava prepará-lo  para assumir seu posto de Ministro Conselheiro na embaixada brasileira em Bonn, então capital da Alemanha Ocidental.

Impressionava a sua capacidade de assimilar as regras da língua alemã, e mais ainda a sua lhaneza de trato, virtude própria de um autêntico diplomata.

Trinta dias depois ele viajou, e perdi o contato.

Cinco anos depois deparei-me com sua foto na primeira página do jornal. Retornara ao Brasil para assumir a presidência da Nuclebras, empresa estatal criada para desenvolver projetos de energia nuclear, para fins pacíficos.

Nessa ocasião, já em 1975, recebi o convite  para dar cursos intensivos de alemão, na Nuclebras e na CNEN, Comissão Nacional de Energia Nuclear. Eram cursos muito bem remunerados. Não hesitei em aceitar e fechei com as duas instituições.

Era muito gratificante.

Os alunos eram todos diretores, de vários departamentos. As maiores autoridades em energia nuclear.

Coincidiu que eu havia adquirido um sítio, maravilhosamente situado na região serrana do Estado do Rio, próximo a Nova Friburgo, a 1100 m de altitude, como eu queria. E comecei a estudar e praticar a biodinâmica, nas horas vagas.

Tudo coincidência.

O trabalho com os diretores fluía muito bem.

Só uma coisa eu estranhava: Por que ensinar alemão para profissionais da área nuclear?

Fiquei curioso.

Até que um dia, no intervalo do cafezinho, um dos diretores me cochichou, que o Brasil assinaria em breve um grande acordo com a Alemanha. Era segredo.

E foi o que aconteceu.

Em julho de 1975 aparece no jornal, em letras garrafais: "Brasil ingressa na modernidade. Assinado, Acordo Nuclear Brasil-Alemanha."

Procurei informar-me dos detalhes. O Acordo previa trazer os especialistas para transferirem para os brasileiros  a nova tecnologia de enriquecimento de urânio, a matéria prima da indústria nuclear, um elemento abundante no sul de  Minas Gerais.

Senti um peso na consciência.

De um lado eu estudava e praticava a agroecologia e a biodinâmica. De outro eu colaborava para trazer para o Brasil a pior tecnologia, a mais perigosa poluição radioativa. O projeto previa construir oito usinas nucleares, para gerar energia elétrica para a rede convencional, à semelhança de Tchernobil e Fukushima.

Participando diretamente desse mega projeto, vi-me  na obrigação de pesquisar mais a fundo, não apenas os aspectos superficiais, e ir mais além. Por trás dos efeitos visíveis escondem-se as causas invisíveis. O pretexto, aparente, encobre o motivo real.

Após a ll Guerra Mundial a Alemanha, derrotada, comprometeu-se a não desenvolver armas nucleares.

O Brasil, por sua vez, com governo militar, não assinou o Tratado de Não-proliferação de Armas Nucleares, de Tlatetolco, México.

Casaram-se os interesses.

A Alemanha tinha tecnologia, mas não tinha matéria prima nem permissão para fabricar a bomba.

O Brasil tinha matéria prima e permissão, mas não tinha tecnologia.

Era o casamento perfeito. Dois opostos complementares.

Além disso imperava no Brasil a ditadura militar, sigilosa, em luta ferrenha contra os guerrilheiros, adeptos da ditadura proletária. Duas ditaduras adversárias, aparentemente opostas. Tinham em comum o fantasma do inimigo. Caçavam bruxas por toda parte. Isso explica a perfeição dos respectivos serviços secretos, formal e informal. Os modelos eram a CIA e a KGB.

O AI-5, de 1968, consolidou a ditadura, e legitimou as prisões e as torturas dos terroristas subversivos, proletaristas.

A Argentina e o Chile, igualmente militarizados, jogavam os adversários de avião no deserto de Atacama e no Mar del Plata.

A Argentina, tradicional "inimigo", já possuía a sua Usina Nuclear de Atucha, e já ameaçava produzir a bomba.

O Brasil, é claro, não podia ficar para trás e decidiu embarcar na corrida atômica.

Brasil e Alemanha, secretamente, desenharam a estratégia: fabricar a bomba atômica teuto-brasileira, aqui.

Essa era a esperança dos nossos militares: assimilar a tecnologia alemã para fins pacíficos, e em conjunto, manufaturar

 a nossa bomba, em pé de igualdade com a Argentina.

Só que...

Esqueceram um detalhe.

O urânio natural, inclusive o explorado no sul de Minas, tem massa atômica 238. É fértil, mas não físsil. Físsil é apenas o isótopo U 235, que tem 3 nêutrons a menos no seu núcleo, e corresponde a 1% da massa total. Quer dizer, como o U235 tem 3 nêutrons a menos, ele tem menor capacidade de neutralizar a força repulsiva dos prótons e manter a estabilidade no núcleo. Só o U235 é instável e propenso a ser fissionado para liberar a extraordinária energia comprimida no interior do núcleo. Como o U235 ocorre na pequena proporção de até 1% do total, então esse teor de U235 precisa ser aumentado para servir de matéria prima num reator nuclear pacífico ou numa bomba atômica bélica.

Simples assim.

Tecnicamente esse processo é chamado "enriquecimento do urânio."

A tecnologia prevista no Acordo estava ainda em testes laboratoriais e revelou-se inviável. 

Bem antes eu já pensava em demitir-me do projeto. Como o salário era muito bom, fui adiando a decisão.

Até que por fim  segui meu coração. Pedi demissão e mudei-me definitivamente para o Sítio Bonsucesso,  para dedicar-me integralmente ao estudo, prática e divulgação da agricultura biodinâmica.

Fiquei lá isolado. 

Só tinha um rádio de pilha para acompanhar o noticiário.

Depois eu conto as notícias.

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