MINHA PRIMEIRA VEZ

Desde os 15 anos sempre trabalhei informal.

A primeira vez que consegui um emprego, formal, legalizado, concursado, com carteira, foi em 1961, aos 20 anos.

Fui aprovado para trabalhar no Aeroporto Internacional do Galeão na Cia. Aérea Panair do Brasil S.A.,a maior do Brasil, na época. A única brasileira a voar para a Europa.

Fiquei entusiasmado com as imensas possibilidades que se abriam, logo no primeiro emprego.

Era uma empolgação de adolescente. E construía quimeras. Iria falar inglês e alemão com os passageiros, viajar de graça nas férias, conhecer o mundo, e de quebra ainda receber um salário. Ganhar para me divertir. Era demais.

Só que...

De antemão sabia que as condições de trabalho seriam severas.

Mas os sonhos amenizavam as eventuais precariedades.

Eu morava na Glória, numa república de Valencianos, na última casa à direita, n° 500, na Rua Benjamin Constant.

Era uma rua irrelevante. De especial só tinha um templo-sede dos Positivistas, do Augusto Comte, em franca decadência. Seu orgulho era o lema:"Ordem e Progresso", incorporado à bandeira. Uma vez entrei, curioso, e quase fui laçado para tornar-me membro. Nunca mais.

Na Panair o ritmo de trabalho era cruel. Dois dias de 6 às 15 hs, dois dias das 15 às 24, e dois dias de folga.

Eu já estava começando a estudar a língua russa, nas horas vagas.

Quando meu turno era de manhã, eu acordava às 4 da madrugada,  No turno da noite eu saía as 24 hs, quer dizer meia noite, seguia para o ponto de ônibus, e esperava. Viajava da Ilha do Governador para o centro do Rio, esperava outro ônibus e embarcava  para o Largo da Glória. Desembarcava, seguia a pé até o fim da rua e chegava em casa às duas da madrugada.

Segui esse esquema por três meses, e só fui assaltado uma vez.

Eu esperava trabalhar no balcão de atendimento, conversando com os passageiros. Enganei-me.

Me puseram na função de despachante de aeroporto, documentista. Minha tarefa era rodar todos os documentos de vôo, separados para cada escala, e num mimeógrafo a álcool. Distribuía os documentos nas várias divisões de uma grande bolsa de couro. E tinha de ser feito muito rápido, depois de fechar o vôo, com as turbinas já roncando na pista, aquecendo-se. E eu ainda lá dentro, quase surtando, fechando a bolsa, torcendo para que tudo estivesse em ordem, saia correndo pela pista, passava por baixo da asa, respirava o jato da turbina, tapava um dos ouvidos, subia correndo a escada, a tempo de um comissário impaciente pegar a bolsa, bater a porta,  eu descer a escada e respirar aliviado, ar semi-puro. E ainda recebia reclamações, que o documento do Senegal foi parar em Zurique.

Outro dado menos animador: a empresa estava em fase pré-falimentar. E já fazia manipulações contábeis, para demonstrar prejuízo e receber subsídios de Brasilia, a capital recém fundada. E a empresa atrasava o salário.

E o jovem Fidel Castro, vitorioso em Sierra Maestra, estatizou a Empresa Consolidada Cubana de Aviación, que transportava simpatizantes para conhecer Cuba. E logo a Panair foi escolhida para atender a Cubana. Mais essa.

Quando faltava salário eu almoçava uma tacinha de sorvete com sabor morango e uma jujuba por cima. E voltava depressa para o mimeógrafo.

Sobrevivi três meses.

Já no meu limite, pouco antes de me desesperar, fui salvo pelo IBGE. Recebi um telegrama me convocando para trabalhar como recenseador. Pedi demissão imediatamente.

E assim acordei do sonho, quer dizer, do pesadelo do primeiro emprego.

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