O TIMÃO

Em 1972, no auge da ditadura militar, quando eu era procurado pela polícia, acusado de ser sequestrador de avião, embarquei depressa num navio para a Europa, e escapei.

Fui parar na Bélgica, onde permaneci por seis meses.

Como não havia meios de me fixar lá, resolvi voltar ao Brasil. Não de avião, claro, para não despertar qualquer suspeita.

Optei pelo navio.

Era um cargueiro, do Loyde, da Marinha Mercante. Novinho em folha, viagem inaugural. Era um navio-cargueiro que levava alguns poucos passageiros. As vagas eram disputadas. Eu não tinha muita chance. O Capitão Gaya era rigorosíssimo. Pior para mim.

Mas quando ele descobriu que eu era também professor de alemão, ele se transformou.

E decidiu: "Faço questão que você viaje no meu navio. Você vai me dar um curso de alemão em alto mar."

"Perfeitamente Seu Capitão", respondi.

Acertamos os detalhes e as condições, super favoráveis. Uma pechincha.

Os primeiros três dias fiquei num pequeno camarote, lá embaixo, em companhia de um prisioneiro, calado e mal encarado, que estava sendo repatriado para responder a um processo disciplinar. Os marujos me alertaram: " Toma cuidado, ele é perigoso."

A primeira noite eu quase não dormi no beliche. Quando ele se mexia embaixo, eu acordava em cima, sobressaltado.

No dia seguinte, puxei conversa, dei razão a ele no processo, fiz amizade, e tudo correu bem.

Três dias depois fui transferido lá prá cima, junto à ponte de comando.

Todas as tardes eram reservadas para aulas de alemão, regadas com bebidas e iguarias, com direito a mordomo.

Após cada aula íamos para a frente, e eu assumia o posto de timoneiro. Com a ajuda do Capitão eu manejava o timão e conduzia o navio, em alto mar. Uma emoção indescritível.

Enquanto ele aprendia alemão eu aprendia a dirigir navio.

Era mar de Almirante.

Quando cheguei contei pro meu amigo, piadista.

Ele não me perdoou.

Pois eu, que já tinha a fama de sequestrador de avião, perdi aí a grande oportunidade de virar o leme para o lado e sequestrar o navio inteiro, numa guinada só.

Ficou prá próxima.

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